Nesta quarta-feira (10), sindicatos da Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Afins (FNTTAA) participaram do primeiro Fórum de Combate à Violência Sexual na Petrobras, ao lado das federações de trabalhadores petroleiros, FUP e FNP, e de representantes da estatal.
Durante o evento, realizado na sede da companhia, no Rio de Janeiro, cada federação dispôs de 30 minutos para expor casos de violência e discriminação sofridos por seus representados, e propor estratégias que contribuam para um ambiente de trabalho mais seguro, principalmente para as mulheres, nos diversos setores em que a Petrobras atua.
Casos de assédio e de agressão sexual são frequentes no setor marítimo, onde a Petrobras mantém em contrato mais de uma centena de embarcações de armadores estrangeiros. O natural isolamento a bordo e a falta de sistemas de apoio eficazes aumentam a vulnerabilidade das mulheres, que muitas vezes enfrentam abusos em silêncio, com medo de retaliação e de terem suas carreiras prejudicadas. Esse ambiente tóxico não só afeta o bem-estar das trabalhadoras, como prejudica o moral e a eficiência da tripulação como um todo.
A FNTTAA foi representada por Cecília Rodrigues, oficial de náutica e conselheira da Conttmaf, que apresentou iniciativas dos sindicatos marítimos no combate a discriminação e assédio, e no estímulo ao aumento da participação feminina a bordo das embarcações.
Em sua apresentação, ela listou diversos desafios enfrentados pelas mulheres do mar, entre eles a discriminação por gênero e a falta de infraestrutura adequada nas instalações a bordo, e mostrou que a organização sindical marítima tem participado de iniciativas como o Guia de Enfretamento ao Assédio no Setor Aquaviário, da Antaq, e a cartilha Assédio Moral e Sexual nas Atividades Portuárias e Aquaviárias, do Ministério Público do Trabalho. Além disso, foi lançado este ano o Indicador Sindmar Mulheres, que estabelece critérios de classificação das empresas de navegação a fim de aferir tanto condições de trabalho quanto oportunidades para oficiais e eletricistas do sexo feminino, a fim de promover melhorias.
Especificamente em relação à Petrobras, o Sindmar mantém acordo coletivo com cláusulas mais benéficas para as mulheres, entre as quais a da empregada vítima de violência doméstica, a da mãe não gestante, a da prorrogação da licença-maternidade, a da licença-paternidade, a da licença-adoção, a do combate à violência no trabalho e aquela que garante que a companhia valorizará a diversidade humana e cultural nas relações com os/as empregados/as, garantindo o respeito às diferenças e a não discriminação.
No entanto, como destacou Cecília, a Petrobras não emprega mulheres do mar, uma vez que último processo de seleção pública para marítimos da companhia ocorreu três décadas atrás. Além disso, a contratação de marítimos em plataformas e FPSOs ocorre apenas na condição de terceirizados e sendo recrutados por empresas que gozam de péssima reputação.
Bandeiras de conveniência, inimigas das mulheres
As piores condições de trabalho para homens e mulheres se encontram em navios de bandeira de conveniência afretados pela Petrobras. Um dos problemas enfrentados especificamente pelas marítimas é o fato de poderem estar em número muito reduzido a bordo. “Em tais circunstâncias, as nossas vozes podem ser silenciadas ou desconsideradas, tornando mais difícil lutar contra comportamentos inadequados e exigir respeito e igualdade. A falta de representação feminina nas esferas de poder e decisão, como ocorre usualmente em navios estrangeiros, pode perpetuar a desigualdade, o ciclo de assédio e a discriminação”, afirmou a sindicalista.
Os sindicatos marítimos consideram que o fortalecimento da Marinha Mercante nacional é crucial para criar mais espaço para as mulheres, e a defesa de postos de trabalho para marítimos nacionais tem se mostrado um mecanismo eficaz para assegurar a participação feminina no setor. Países com uma Marinha Mercante robusta, como Brasil, Noruega e EUA, contam com uma presença feminina acima da média mundial. Deste modo, defender uma Marinha Mercante soberana, com navios de bandeira brasileira operando em nossas águas, também é lutar por condições iguais para homens e mulheres.
“Na nossa cabotagem, muitos navios arvoram bandeiras de conveniência e contam com tripulações de diversas nacionalidades. Infelizmente, com poucas exceções, essas tripulações são predominantemente masculinas. Além disso, frequentemente há uma tendência para o agrupamento de tripulantes por nacionalidades ou departamentos, o que pode aumentar o risco de intimidação e assédio contra brasileiras”, alertou Cecília Rodrigues.
O presidente do Sindmar e da Conttmaf, Carlos Müller, também participou do evento, ao lado de José Válido, Odilon Braga e outros diretores das duas entidades. Durante os debates com a Petrobras, Müller foi duro nas críticas à política de afretamentos da estatal.
“Enquanto as empresas privadas que operam no Brasil usam essencialmente a bandeira brasileira e nós conseguimos ter com elas essa discussão que os companheiros da FUP e da FNP estão tendo com quem os emprega, nós ficamos à mercê de armadores que estão em outras partes do mundo para discutir nossa relação de trabalho que tem como beneficiária final a Petrobras. Nesses cem navios afretados pela companhia, nós tivemos os piores casos de assédio moral e não conseguimos avançar em relação a isso com a gestão anterior. Um acidente com esse tipo de navio nem mesmo impacta nos índices da companhia, ela não contabiliza, simplesmente não aparece. Quando a Petrobras é chamada a tomar providência, rapidamente manda esse navio para o exterior e nada acontece. O que a gente quer é que o alto padrão de SMS [segurança, meio ambiente e saúde] que a companhia cobra das 400 embarcações da Transpetro no apoio marítimo também seja exigido desses cem navios em bandeira estrangeira que estão aqui fazendo o que querem. Isso não pode continuar e a gente quer ajuda dos companheiros petroleiros e da gestão da Petrobras para resolver essa situação”, declarou Müller.