IMAGEM: CONCEITO ZEN
O trabalho, no início das civilizações, era visto como algo vil, pequeno, mesquinho, sem honra, que causava vergonha e humilhação. Era visto como um castigo para o trabalhador. Tanto era assim, que os derrotados de guerra eram transformados em escravos, para trabalhar até o fim de suas vidas, como forma de punição e humilhação.
Até hoje o trabalhador sofre desse estigma, sendo relegado por alguns à condição inferior nos diversos sistemas sociais, a partir da origem da palavra trabalho – tripalium –, espécie de cruz de três hastes, utilizada como instrumento de suplício dos condenados.
Ao que pese anos de estigma ao trabalho, nos dias atuais a legislação brasileira atribui-lhe elevado valor, reconhecendo sua importância no contexto econômico e social da República Federativa do Brasil, como deixa claro no artigo 1º, inciso IV, da Constituição de 1988 ("A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios de do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...); IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa").
Além do reconhecimento do fundamento da República Federativa do Brasil, o trabalho também integra a Ordem Econômica, como destaca o artigo 170 da Constituição de 1988 ("A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, tem por fim assegurar existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios").
Como se observa dos dispositivos constitucionais acima citados, vislumbra-se o trabalho atualmente como algo valorizado, enaltecido, e reconhecido como essencial ao crescimento social e econômico do país, bem como sua importância como dignificante da pessoa humana, eis que o homem que trabalha sustenta a si e a família com o fruto do seu trabalho. Sendo assim, uma pessoa completa em sua dignidade é aquela que tem um trabalho digno e decente, porque no mundo moderno o trabalho dignifica o homem.
Nesse sentido o direito ao trabalho digno e decente é considerado como um direito fundamental, protegido no Título II da Constituição de 1988 (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), no Capítulo II (Dos Direitos Sociais. Artigo 6º: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição").
No campo específico trabalhista, o artigo 7º da Constituição estabelece uma série de direitos aos trabalhadores, direitos estes reconhecidos como sociais fundamentais, de caráter imperativo, cogente, que, pelo menos na teoria, garantem uma relação de trabalho saudável e justa.
Nesse sentido, observa-se a preocupação do legislador originário em proteger o trabalho, em proteger a relação de trabalho, em resguardar o trabalhador e garantir condições dignas no exercício do labor, de forma saudável.
As relações de trabalho, não obstante a sua necessária modernização, devem se pautar pelo respeito aos direitos mínimos reconhecidos aos trabalhadores, alguns na categoria de direitos humanos, como, por exemplo, as normas de proteção à dignidade da pessoa humana em sentido lato, de preservação de um ambiente de trabalho sadio, estruturado e equilibrado, que proporcionem bom desempenho do trabalho humano e permitam a fruição do sentimento de dignificação que o trabalho deve proporcionar no mundo moderno.
Neste campo, destaca-se a saúde do trabalhador, que está acima de tudo, cabendo afirmar que "o mais importante direito do trabalhador é a sadia qualidade de vida". Assim, o trabalhador deve ter condições adequadas de trabalho, porque não vale nada a vida, não vale nada um bom emprego, não vale nada um bom salário, não vale nada um alto cargo se o trabalhador, se o cidadão, se o ser humano não tiver sadia qualidade de vida.
Por isso que a vida é o mais importante bem da humanidade. Se isso é importante, então é um direito dos trabalhadores, do ser humano que trabalha, é um direito fundamental. Se é um direito deles, nossos, porque todos nós somos trabalhadores, cabe a alguém assegurar esse direito, assegurar ambientes de trabalhos sadios e adequados, livres de contaminação. E esse alguém certamente que são os tomadores de serviço, as empresas, os empregadores.
Trata-se de uma obrigação legal pelo nosso sistema jurídico. Mas, além disso, trata-se de uma obrigação natural, de uma obrigação social e, sobretudo, de uma obrigação humanitária, porque a sua finalidade não é outra senão prevenir e proteger a vida humana.
RAIMUNDO SIMÃO DE MELO - doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre eles, Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.
FONTE: REVISTA CONSULTOR JURÍDICO-CONJUR