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Em artigo, sociólogo Ruy Braga afirma que reforma brasileira aponta para maior concentração de renda, compressão dos salários e aumento das desigualdades sociais

História conhecida, em 1935, após escutar em uma reunião organizada por Assis Chateaubriand reclamações de empresários a propósito da fiscalização das leis trabalhistas que seriam unificadas em 1943, Getúlio Vargas, já de saída no carro, teria feito o seguinte comentário para seu ajudante: “Burgueses burros! Estou tentando salvá-los e eles não entenderam”.

Oito décadas depois, as alterações em mais de cem artigos da CLT aprovadas a toque de caixa pelo Congresso no dia 11 de julho e que passaram a vigorar a partir do dia 11 de novembro significam, em termos práticos, o desmanche do polo protetivo trabalhista brasileiro tal como ele foi desenhado entre as décadas de 30 e 80. Trata-se da vingança dos herdeiros daqueles empresários que participaram da reunião com Vargas.

Em termos globais, a essência das mudanças diz respeito à afirmação do negociado sobre o legislado, à flexibilização da jornada de trabalho, à introdução de novas modalidades de contratação – como o trabalho intermitente – e à ameaça da garantia de gratuidade do processo trabalhista. Alterando a estrutura do mercado de trabalho e dificultando o recurso à Justiça do Trabalho, os defensores da lei nº 13.467/17 alegaram que um aumento da oferta de empregos seria acompanhado por uma diminuição do número de processos que tramitam na Justiça. Assim, os trabalhadores ganhariam com o retorno dos empregos e os empresários seriam beneficiados pelo aumento da segurança jurídica.

Aparentemente, trata-se do melhor dos mundos possível. No entanto, em termos reais, o que esperar do desmanche do polo protetivo do trabalho no Brasil? Em primeiro lugar, é importante destacar que o número de processos trabalhistas no país é consequência, na maioria dos casos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, do não pagamento de verbas rescisórias devidas por parte das empresas. Prática empresarial rotineira, com o fim do contrato de trabalho, muitas vezes o trabalhador simplesmente não recebe o que estava previsto no contrato, seus direitos etc., motivando a ação na Justiça do Trabalho. Além disso, tendo em vista o débil sistema de fiscalização existente, os empresários usualmente desrespeitam horários e normas de segurança, acarretando acidentes e aumentando o número de ações legais.

Em segundo lugar, as modificações introduzidas pela lei nº 13.467/17, em especial no tocante à flexibilização da jornada de trabalho, à universalização da terceirização e à banalização do trabalho intermitente, apontam para uma maior concentração de renda, com a compressão dos salários e o aumento das desigualdades sociais. O efeito deverá ser a redução do consumo das famílias trabalhadoras, desestimulando o investimento privado – uma consequência deletéria para todos que dependem fundamentalmente do consumo popular, aí incluído o enorme setor informal da economia.

Especialistas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estudaram o impacto de reformas trabalhistas em vários países têm observado não uma queda do desemprego, mas um aumento do subemprego. Invariavelmente, essas reformas têm sido acompanhadas por aumento da pobreza e das desigualdades sociais. Em alguns países, como em Portugal, pontos essenciais da reforma trabalhista de 2011 foram revisados, ocasionando melhoras significativas nos rendimentos do trabalho, fortalecendo a arrecadação tributária e ajudando a acelerar o crescimento econômico.

Os ataques ao polo protetivo trabalhista têm promovido, em muitos países, uma ampliação dos níveis de violência social. Padrões rebaixados de salvaguardas trabalhistas fizeram com que a diferença entre os mercados formal e informal de trabalho colapsasse na África do Sul, por exemplo, afastando os trabalhadores dos sindicatos e promovendo sucessivas ondas de violência nos locais de trabalho, que se ampliaram para as comunidades pobres. Em termos internacionais, sociedades mais desiguais e violentas são o verdadeiro legado do atual ciclo de reformas trabalhistas.

Sem dúvidas, a lei nº 13.467/17 prepara um futuro sul-africano para os trabalhadores brasileiros. Subitamente, o país pode ser empurrado para uma experiência social de banalização de baixíssimos salários, generalização de subempregos e de longas jornadas não pagas, multiplicação do adoecimento e dos acidentes de trabalho, aumento da insegurança jurídica e aprofundamento da crise de representação sindical. Uma combinação socialmente explosiva, que corrobora o juízo não muito lisonjeiro de Vargas a respeito da burguesia brasileira. 

Fonte: Época Negócios / Ruy Braga*

*Ruy Braga, sociólogo, professor livre-docente da USP