A suspensão da posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho –determinada pela ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal– é reveladora da disputa entre o Executivo e o Judiciário sobre a nomeação de ministros. O embate talvez ofusque um conflito maior no Judiciário, as divergências sobre o futuro da Justiça do Trabalho.
A Advocacia-Geral da União repetiu expediente que tem sido usado pela advocacia em geral. Ou seja, avaliar o momento de recorrer à Justiça de acordo com quem atuará no plantão judiciário.
Sabe-se que o ministro Humberto Martins, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, não tem o mesmo perfil da presidente do STJ, ministra Laurita Vaz. Possivelmente, Laurita não concederia a liminar.
O que parece estar em jogo na nomeação é o futuro da Justiça do Trabalho.
Esse debate foi renovado e ampliado com recentes declarações do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, pai de Cristiane Brasil, e a reação da magistratura trabalhista.
Jefferson defendeu o fim da Justiça do Trabalho.
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, disse que isso seria “um retrocesso para o país e para a sociedade”.
“Somos a Justiça que mais julga e a mais eficiente. Somos também a que mais concilia, ou seja, a que soluciona processos, evitando ou solucionando greves que impactariam toda a sociedade”, disse Gandra Filho.
Em entrevista aos repórteres Gustavo Uribe e Daniel Carvalho, da Folha, Jefferson disse que a Justiça do Trabalho “é uma indústria do reclamante, porque o reclamado sempre perde”.
“Ela é a babá mais cara do mundo. Você não tem defesa na Justiça do Trabalho. Nós tínhamos que acabar com a Justiça do Trabalho, porque ela é uma excrescência brasileira, e julgar na Justiça comum”.
Em artigo neste Blog, Guilherme Guimarães Feliciano, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), disse que “a ideia da ‘absorção’ da Justiça do Trabalho pela Justiça Federal da União é tão engenhosa quanto seria a de despejar todo o Oceano Atlântico sobre o Mar Mediterrâneo”.
“Águas diversas, espaços e tamanhos gritantemente díspares. No entanto, a bravata animou muita gente que, ao fitar o retrovisor da História, pensa sempre estar fitando o para-brisa. Supor que a ordem social brasileira possa prescindir do Direito do Trabalho, e que o Poder Judiciário nacional possa prescindir da Justiça do Trabalho, é quase o mesmo que supor que a Humanidade possa prescindir do século XX”, disse Feliciano.
A reação da magistratura do Trabalho às declarações de Jefferson pode ser avaliada pela nota pública divulgada pela Anamatra no último dia 17 e reproduzida a seguir:
A Anamatra– Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, que representa mais de 4 mil juízes do Trabalho de todo o Brasil, a respeito das recentes e deploráveis declarações do Sr. Roberto Jefferson, veiculadas na grande mídia, vem a público manifestar-se nos seguintes termos.
1 – Inicialmente, registra perplexidade com a ignorância ou má-fé de quem, sedizente experiente advogado, demonstra aparente desconhecimento quanto à competência atribuída a cada órgão do Poder Judiciário. A decisão contra a qual se insurge publicamente – que impediu a posse de sua filha como titular da pasta do Ministério do Trabalho – não emana da Justiça do Trabalho, mas da Justiça Federal, na perspectiva do primado constitucional da moralidade administrativa. Certa ou não a decisão – e cumpria-lhe, sim, respeitar o julgado e discuti-lo quiçá nos autos, não na imprensa -, o ex-parlamentar destila seu rancor contra instituição diversa.
2 – Ademais, transtornado por questões puramente pessoais, o Presidente do PTB recai em curiosa contradição política, uma vez que a criação da Justiça do Trabalho atendeu a um reclamo histórico de seu próprio partido, sigla tradicional que, pelas mãos da atual liderança, ameaça trilhar a contramão dos princípios e causas que lhe deram origem e ainda informam os ideais universais do trabalhismo.
3 – Aferrado a clichês antigos e ultrapassados, o Sr. Jefferson “acusa” a Justiça do Trabalho de ser “socialista” (assim como faz com o próprio Rio de Janeiro, de onde é natural, e, aparentemente, com toda fonte de contrariedade que possa surgir à frente). Na verdade, conforme o interesse em mira – nem todos publicamente defensáveis – , já foram atribuídas à Justiça do Trabalho os mais diversos e díspares rótulos – “corporativista”, “soviética”, “fascista”, “classista” etc. Todos, ademais, especialmente repulsados pela atual estrutura constitucional da Justiça do Trabalho, derivada da Constituição Cidadã de 1988 e aperfeiçoada pela extinção da representação classista, em 1999, e pela ampliação de sua competência material, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004. Assim refundada, a Justiça do Trabalho hodierna nada mais é do que o retrato da vontade constitucional originária de 1988, dentro do plano estrutural normativo de configuração jurídica da nossa nação. Consubstancia os vetores constitucionais da dignidade da pessoa no mundo do trabalho e da efetividade dos diretos sociais fundamentais, direitos humanos que são. E os juízes do Trabalho o fazem destemidamente, como deve ser. Eventualmente, desagradam poderosos.
4 – Finalmente, quanto aos supostos números da Justiça do Trabalho mencionados pelo cidadão Roberto Jefferson, cabe dizer uma vez mais como são falaciosos, desatualizados e espelham apenas o primarismo das acusações. Como advogado, por simples consulta à jurisprudência do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais do Trabalho, poderia constatar haver julgados e jurisprudências para todos os gostos. Dados do “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça, relativos ao ano de 2016, demonstram que a Justiça do Trabalho é a mais presente em todo o País (624 municípios) e a que mais concilia (39,7% dos processos no primeiro grau de jurisdição). Além disto, é o primeiro ramo do Poder Judiciário totalmente adaptado ao processo judicial eletrônico. E, para a decepção dos detratores, não é e jamais foi a mais cara da Federação, em números absolutos ou relativos. Vejam-se as estatísticas.
5 – Não bastasse, cerca de metade das ações que chegam à Justiça do Trabalho trata basicamente de verbas rescisórias, o mais elementar de todos os direitos de um trabalhador demitido. Logo, se o trabalhador em regra é o vencedor das causas, isso diz muito mais sobre os elevados níveis de sonegação de direitos sociais rescisórios – seja pelas dificuldades econômico-financeiras das empresas, seja pela cultura de negação dos direitos alheios que se observa em certos nichos −, do que sobre qualquer paternalismo.
6 – Roga-se, pois, ao cidadão Jefferson, que reflita antes de agredir. E que evite cortinas de fumaça para dissimular os problemas que o separam de seus objetivos, porque todos de pronto as reconhecem.
Presidente da Anamatra
Fonte: Blog Interesse Público / Folha de S. Paulo