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As recentes tragédias das enchentes na região Sul do Brasil, em especial no Rio Grande do Sul, e em partes da Alemanha, e as ondas de calor na Índia mostram a urgência de encarar as mudanças climáticas como realidade e a necessidade de colocar a agenda ambiental para funcionar em todas as partes do planeta. Alertas das mudanças climáticas e das potenciais calamidades têm sido dados há tempos, mas quase sempre são negligenciados, inclusive no Brasil.

À instabilidade climática somam-se as geopolíticas, como a continuidade da guerra contra o povo palestino, promovida pelo governo israelense, do conflito na Ucrânia e, mais recentemente, do avanço da extrema direita nas eleições para o parlamento europeu. Embora ainda minoritários, esses grupos extremistas devem ocupar cerca de 25% do parlamento, dificultando a evolução das políticas de transição verde e do multilateralismo. Os impactos mais imediatos devem ocorrer nas duas principais economias da União Europeia: na França, onde eleições legislativas foram convocadas para junho/julho, e na Alemanha, com o enfraquecimento da base do governo social-democrata. É fato que o crescimento da extrema direita não foi uniforme na Europa, inclusive a esquerda conquistou importantes resultados nos países nórdicos, mas reforça a tendência observada nos Estados Unidos e na Argentina. Por aqui, a eleição do presidente Lula foi um freio fundamental para essa tendência mundial.

No Brasil, o ataque aos direitos dos trabalhadores continua. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 2.830/2019, que busca dificultar a ação dos sindicatos na defesa dos trabalhadores através das negociações coletivas.

Na economia do país, é possível observar melhoras recentes, com o fortalecimento do mercado de trabalho e aumento da renda, mas a desigualdade social e a precarização do trabalho continuam a ser a dura realidade do país. Como quase metade da força de trabalho está na informalidade, em condições muito precárias, os avanços no mercado de trabalho mudam pouco a condição dessa massa de trabalhadores.

Indicadores econômicos e do mercado de trabalho

A economia brasileira tem mostrado resiliência, ainda que continue se desacelerando. No 1º trimestre do ano, ainda sem os impactos da tragédia no Rio Grande do Sul, o PIB cresceu 0,8% em relação ao último trimestre de 2023, excluídos os efeitos sazonais. O resultado se deve muito ao setor de serviços, que teve ampliação de 1,4%, e à agropecuária, com aumento de 11,3%. A indústria, contudo, ficou praticamente estável (-0,1%), embora a indústria de transformação tenha alcançado resultado positivo (0,7%).

Pela ótica da despesa, destaca-se o crescimento do consumo das famílias (1,5%) e da formação bruta de capital fixo (4,1%). Ou seja, tanto o investimento quanto o consumo privados são fatores de “empuxo” da economia.

No acumulado de quatro trimestres, o PIB cresceu 2,5%, resultado inferior ao final de 2023, quando ficou em 2,9%. Nesse recorte temporal, o resultado se deve principalmente ao desempenho da agropecuária (6,4%), com contribuições menores dos serviços (2,3%) e da indústria (1,9%). Pela ótica da despesa, também se destacam o consumo das famílias (3,2%), e no setor externo, das exportações (9,0%).

Ainda não é possível estimar os impactos da tragédia no Rio Grande do Sul nem da reconstrução do estado nesses indicadores, de forma que é necessário o acompanhamento ainda mais recorrente.

Segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), com crescimento de 2,2% para 2024, o Brasil deverá subir uma posição no ranking de maiores economias do planeta (havia terminado 2023 em nono), passando a Itália. Vale lembrar que o Brasil já foi a sétima maior economia do mundo, mas em 2022 havia recuado para a 11ª posição. Esses dados revelam o imenso potencial de crescimento que tem o país, apesar da política econômica geral que segura o crescimento há décadas, especialmente a insuficiência de investimentos e juros básicos que estão sempre entre os mais elevados do mundo.

O mercado de trabalho tem mantido os sinais positivos de crescimento do emprego com carteira assinada. Com isso, têm melhorado a formalização e o rendimento, além da proteção trabalhista. Nos 12 meses encerrados em abril de 2024, o saldo foi positivo em 1,7 milhão de novos empregos celetistas.

Como mostra o Índice da Condição do Trabalho, produzido pelo DIEESE (ICT-DIEESE), a recuperação do mercado de trabalho tem ocorrido em todas as dimensões: redução da desocupação, melhora na qualidade da inserção ocupacional e aumento do rendimento do trabalho.

A desocupação e o desalento têm permanecido em taxas relativamente baixas, próximas dos mínimos históricos, registrado entre 2012 e 2015. Porém, a baixa qualidade da inserção ocupacional mostra que ainda há um longo caminho a ser percorrido para se reduzir a precariedade da situação do trabalhador ocupado. Um dos fatores é o pouco tempo no trabalho, ou seja, a alta rotatividade que prejudica o trabalhador e é o que tem impactado negativamente no ICT-DIEESE.

Inflação e poder de compra

A inflação segue relativamente estável, a despeito dos primeiros impactos do desastre no Sul do país, que tem afetado algumas lavouras, como de arroz, milho, soja, e criações de frangos e bovinos. Os efeitos climáticos vêm causando elevação dos preços dos alimentos, de forma geral, principalmente, os in natura. O grande desafio para o controle dos preços dos alimentos é a retomada dos estoques reguladores e a diversificação da produção agrícola para além da soja, garantindo o plantio de culturas importantes como arroz e feijão.

No acumulado de 12 meses até maio de 2024, o IPCA-IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) chegou a 3,93%, um pouco superior aos 3,69% observados até abril. No ano, a alta é de 2,27%. O Conselho Monetário Nacional definiu, para 2024, que a inflação a ser perseguida pelo Banco Central fique no intervalo entre 1,5% e 4,5%.

Ainda no acumulado de 12 meses até maio, o índice refletiu os aumentos no grupo de Tranporte, em decorrência de elevações de tarifas em ônibus interestadual e metrô, especialmente em São Paulo e Curitiba, e passagens aéreas, e no grupo de Saúde e cuidados pessoais. Nesse último grupo, decorreu da alta de preços nos serviços médicos e, principalmente, nos planos de saúde. Destaca-se ainda pressão no índice de preços devido ao aumento no item de cursos regulares do grupo de Educação.

Já o custo da cesta básica de alimentos tem variado bastante nas regiões do país. A cesta básica mais cara pesquisada pelo DIEESE, em maio de 2024, foi observada em São Paulo (R$ 826,85), seguida por Porto Alegre (R$ 801,45), já com os primeiros impactos da tragédia na região, e Florianópolis (R$ 801,03). Os maiores aumentos relativos, no acumulado de 12 meses até maio, ocorreram em João Pessoa (6,84%), Natal (6,30%) e Rio de Janeiro (6,26%). Em Goiânia (-0,05%) houve recuo no valor da cesta, no período de 12 meses.

Como se sabe, o salário mínimo nacional tem impacto positivo muito grande na economia e na sociedade brasileira, daí a importância de uma política para valorizá-lo. O salário mínimo afeta diretamente os assalariados com carteira assinada, aposentados e pensionistas do INSS e até mesmo os desempregados cobertos pelo seguro-desemprego, além de ser um “farol” de remuneração para diversas categorias, como os trabalhadores domésticos.

O aumento real do salário mínimo de 5,64%, em janeiro de 2024, contribuiu para a elevação do rendimento médio dos trabalhadores e do crescimento do poder de compra. O rendimento médio dos trabalhadores ocupados no 1º trimestre de 2024, de pouco mais R$ 3 mil, foi o maior valor apurado desde 2012, quando teve início a série histórica da Pnad Contínua/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Assim, o mercado de trabalho se mantém em condição favorável, sendo mais um “empuxo” para a economia brasileira, evidenciado também pelo aumento do consumo das famílias.

Negociação coletiva e reajustes salariais

De janeiro a abril desse ano, 86,1% das negociações salariais tiveram ganhos acima da inflação medida pelo INPC-IBGE. Esse resultado é superior ao observado em 2023, quando 77,0% das negociações tiveram ganhos reais. Ainda segundo o boletim De Olho nas Negociações, produzido pelo DIEESE1, 10,8% das negociações em 2024 conquistaram resultados iguais ao INPC-IBGE e apenas 3,2% tiveram perdas reais.

No conjunto dos reajustes, o aumento real médio das negociações foi de 1,89%.

Esses resultados condizem com um mercado de trabalho aquecido, com crescimento do emprego, elevação do salário mínimo e reforço da atuação dos sindicatos nas negociações, o que cria pressão para o aumento dos salários.

“Ninguém come PIB, come alimentos” (Maria da Conceição Tavares)

A vitória do presidente Lula foi de suma importância para frear os ímpetos da extrema direita no Brasil, que tanto avançou com Jair Bolsonaro. Porém, longe de ser suficiente, como mostram as duras derrotas dos trabalhadores no Congresso Nacional e em alguns estados, a continuidade da luta cotidiana se faz necessária.

Em São Paulo, foi adiante o projeto de privatização da Sabesp, empresa de saneamento do estado, indo na contramão de diversos países que tiveram que reestatizar esse tipo de serviço devido à má qualidade de gestão pelo setor privado. No Paraná, um projeto do governo local, já aprovado pela Assembleia Legislativa, tenta privatizar a gestão das escolas públicas. Cumpre destacar que o episódio contou com duas situações claras sobre as dificuldades da classe trabalhadora: o governo do estado solicitou a prisão da presidente do sindicato dos professores, em clara prática antissindical, e utilizou do aparato estatal para divulgação de mensagens contrárias ao movimento grevista, reforçando a prática antissindical e desrespeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Em São Paulo, a privatização da gestão de escolas também tem avançado no legislativo e no executivo.

Além disso, são diversos os casos de abuso das operadoras de saúde privada que cancelam contratos, unilateralmente, em nome da “saúde financeira”.

Enfim, apesar dos relativos bons indicadores econômicos e do mercado de trabalho e de avanços importantes, como a política de valorização do salário mínimo, a Lei da Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/2023), o programa de incentivo à permanência de jovens no ensino médio (Lei nº 14.818/2024), ainda há desafios importantes a serem enfrentados.

FONTE: BOLETIM DE CONJUNTURA43/DIEESE