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O governo tem usado de procedimentos céleres de apreciação de MPs destinadas a responder à crise sanitária para continuar a fazer mudanças normativas sem o debate legislativo adequado e correto
O Governo Federal tem abusado do expediente de atuar por MP (Medida Provisória), utilizando-se dessa ferramenta para “governar por decreto” em assuntos que fogem do escopo desse instrumento. E tem ido ainda mais longe ao usar as MPs para fazer mudanças normativas permanentes, incluindo no trâmite parlamentar emendas com conteúdos que extrapolam a matéria original, procedimento que ganhou a alcunha de “jabuti”.
Com a pandemia, o Congresso adotou, de forma correta, procedimentos ainda mais céleres para apreciar as MPs destinadas a responder à crise sanitária. Também nesse caso, de forma oportunista, o governo tem usado do mesmo expediente para continuar a fazer mudanças normativas sem o debate legislativo adequado e correto.
Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal já deliberou que “viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória“.
A MP se constitui em importante instrumento para o governante ter poder efetivo imediato para atuar sobre assuntos urgentes, de alta relevância e que exigem respostas tempestivas. Por isso mesmo, uma vez editadas, o seu conteúdo passa a valer imediatamente por um prazo limitado (120 dias no total), período no qual o Congresso analisa seu conteúdo, validando-o ou não, podendo inclusive alterá-lo.
Esse filme se repetiu nessas 2 últimas semanas, agora com a MP 1045/2021 que tratou de renovar os programas de proteção dos empregos e dos salários, demandados e propostos pelas Centrais Sindicais desde o início da pandemia, implementados em abril e renovados até dezembro de 2020. Houve descontinuidade a partir de janeiro do corrente ano, apesar das demandas para a sua continuidade durante a pandemia. Em abril, o governo editou a MP 1045 renovando o programa para proteger empregos e salários, medidas com validade até o final de agosto.
Como vem acontecendo, mais uma vez, ao apreciar a Medida Provisória, o relator da matéria na Câmara dos Deputados, Christino Áureo (PP/RJ), apresentou relatório que incluía muitas matérias visando à ampliar a reforma trabalhista e criar 3 programas para gerar ocupações sem proteção laboral, social, previdenciária e sindical, como o destacado pelas Centrais Sindicais em seu posicionamento:
- Possibilita que o trabalhador com contrato de trabalho suspenso contribua como segurado facultativo, conforme as alíquotas estabelecidas para o segurado obrigatório (art. 18 do PLV). É o empregador que deve pagar a contribuição previdenciária, e não o trabalhador, em momento de pandemia e dificuldades financeiras, com redução salarial.
- Institui o Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego) –arts. 24 e seguintes do PLV . O programa traz à tona dispositivos da MP nº 905, MP da Carteira Verde-Amarela. A alteração configura matéria totalmente estranha ao texto original da MP nº 1.045 e não guarda relação alguma com as medidas excepcionais e transitórias contidas na MP.
- Cria o Requip (Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva) –arts. 43 e seguintes do PLV– e a inclusão do Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário. Também matéria estranha ao texto original da MP. “Embora o objetivo ‘social’ do programa seja relevante, trata-se de um programa que promove a exploração da mão de obra, subvertendo o direito ao trabalho assegurado como direito social pela Constituição.”
- Altera vários artigos da legislação trabalhista atual, recuperando dispositivos da MP nº 905 e da MP nº 927, também matérias estranhas ao texto original da MP nº 1.045. Há graves modificações nas normas que definem gratuidade da Justiça, afetando, consequentemente, o direito de acesso à Justiça, fundamental em momento de pandemia e crise econômica, com a ocorrência de muitas demissões. Além delas, alterações substanciais no tocante à fiscalização do trabalho e extensão de jornada.
Felizmente, nessa semana, o Senado Federal, exercendo seu papel de Câmara Revisora, rejeitou todas as mudanças introduzida na MP 1045 e aprovadas pela Câmara dos Deputados.
Essa vitória impede o avanço normativo imediato da legalização das mais variadas formas de precarização, a retirada da proteção laboral, social, previdenciária, a desvalorização dos sindicatos e dos processos de negociação coletiva.
Mas o contexto econômico e social é de uma adversidade severíssima. O desemprego atinge mais de 14 milhões de pessoas no Brasil, quase 6 milhões estão no desalento, outros 6 milhões estão na inatividade e precisam de um posto de trabalho e mais 7 milhões têm jornada parcial e salário insuficiente para financiar seu orçamento familiar. Aumentam os postos de trabalho precários, desprotegidos, inseguros e com baixa remuneração. Aumentam a pobreza, a miséria e as desigualdades.
É essencial e estratégico que o Congresso Nacional promova iniciativas para debater, em profundidade e com qualidade deliberativa assentada no diálogo social amplo, projetos, medidas, programas e políticas para a geração e proteção de empregos e de renda, de recuperação renovada do sistema público de emprego, trabalho e renda, de economia solidária e popular, do 1º emprego, de crédito, de desenvolvimento produtivo, de fortalecimento das políticas públicas, entre outros, para responder desde já e com celeridade aos desafios da crise econômica, do desemprego, da carestia, dos baixos salários, da precarização e da desproteção laboral e social.
CLEMENTE GANZ LÚCIO
FONTE: PORTAL VERMELHO