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O Sindmar e a Fundação Gente do Mar (FGMar) reuniram entidades sindicais e organizações da sociedade civil organizada em seu 1º Simpósio Internacional Sobre Segurança nas Operações Offshore, realizado nos dias 25 e 26 de junho, no Centro do Rio de Janeiro, com o objetivo de promover a troca de experiências entre especialistas que atuam no setor e de contribuir para ampliar o debate sobre a necessidade de se desenvolver ações que venham a reduzir o número de incidentes de risco na navegação.

Ano passado, a Marinha do Brasil reportou ao menos 30 acidentes e duas mortes envolvendo embarcações de apoio marítimo. Em 2022, foram registradas 25 ocorrências, segundo o Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN) publicado pela Autoridade Marítima brasileira.

Um dos fatores que podem gerar riscos de acidentes no setor offshore é a não observação de normas que buscam garantir trabalho decente, como as da Convenção Internacional do Trabalho Marítimo (MLC 2006).

Além da garantia de padrões de segurança, é essencial que as escalas de trabalho e descanso a bordo contemplem as necessidades fisiológicas dos marítimos. A prática de horas excessivas de trabalho sem adequado descanso durante período embarcado tem levado tripulantes a desenvolverem problemas graves de saúde.

Palestrante no Simpósio, a professora da Universidade Marítima Internacional (WMU), Dra. Maria Carrera Arce, apresentou dados da pesquisa “Quantificando uma Verdade Inconveniente – Revisitando uma Cultura de Ajuste nas Horas de Trabalho e Descanso”, os quais mostraram que homens e mulheres do mar trabalham uma quantidade de horas maior do que os profissionais que atuam em terra. Com isso, pouco tempo sobra para um bom período de repouso e recreação, e o tempo de sono se mostra insuficiente para assegurar condições saudáveis de vida.

“O estudo utilizou medidas objetivas e subjetivas do sono. A conclusão é que, em média, os marítimos dormem cinco horas por dia. (…) A ciência do sono nos diz que, para qualquer adulto, são recomendadas entre 7, 8 e 9 horas de sono”, ressaltou Maria Arce, alertando sobre os impactos negativos da prática de baixas condições laborais na saúde e na segurança dos trabalhadores marítimos.

A professora também destacou que, durante a pesquisa, muitos tripulantes denunciaram irregularidades nos documentos de registro das horas de trabalho e descanso. Segundo ela, o estudo concluiu que essas longas jornadas, cargas de trabalho pesadas, estresse, burocracia e sobrecargas afetam a saúde e a segurança dos trabalhadores, levando à fadiga, ao estresse e à ansiedade, prejudicando o bem-estar da gente do mar e a segurança dos navios.

De acordo com a pesquisa, a maioria dos entrevistados – 64,3% – afirmou ter alterado o registro de horas trabalhadas para ficar dentro das exigências das normas e, ao menos 4,1% dos tripulantes que participaram do estudo, revelou que os ajustes são feitos por terceiros.

“Infelizmente isso acontece. Já passei por este tipo de situação. A empresa deu orientações de que não poderíamos marcar o número de horas que havíamos trabalhado, mas nunca se dispôs a colocar outro oficial a bordo para que tivéssemos pessoal suficiente para atender aos requisitos legais”, disse um associado do Sindmar presente no Simpósio.

A emissão de cartões de tripulação de segurança (CTS) sem contemplar os requisitos de trabalho decente da MLC também tem contribuído, em todo o mundo, para uma situação em que a saúde física e mental dos trabalhadores marítimos fica comprometida, segundo o estudo.

O presidente do Sindmar e da Conttmaf, Carlos Augusto Müller, criticou o descasamento entre o CTS emitido para algumas embarcações e o número de tripulantes necessário para realizar as atividades rotineiras e garantir horas suficientes de sono e tempo em repouso, que sofreu uma queda a partir da crise mundial do petróleo, ocorrida há 10 anos.

“A representação sindical vem alertando sobre a existência de CTS inadequados. A pesquisa da WMU não deixa dúvidas. Há embarcações com apenas dois oficiais se revezando no trabalho por horas excessivas e sem tempo suficiente de sono. A emissão dos CTS necessita observar uma condição de trabalho decente e não apenas os aspectos técnicos e cenários que, em tese, a embarcação poderia cumprir, mas que não expressam a realidade das operações diárias”, declarou.

O Contra-Almirante Sérgio Gago Guida, em sua palestra sobre a segurança das operações offshore na Amazônia Azul, ressaltou a necessidade de se unir esforços para que a questão do CTS seja resolvida. Conforme ressaltou, a Marinha pensa o CTS com o mínimo necessário para que aquele navio opere.

“Mas aquele mínimo não é, talvez, o ideal. E aí nós precisamos contar com a parceria dos demais órgãos (…). As condições de trabalho têm que ser vislumbradas e discutidas com os outros órgãos e, a partir daí, nós criarmos normas para que, efetivamente, esses CTS sejam, vamos dizer assim, as pessoas que guarneçam o navio estejam, efetivamente, em número adequado”, disse.

Boas condições de saúde física e mental também estão atreladas ao que acontece fora dos navios e, neste sentido, é preciso estar atento às recomendações da MLC. O chefe de Relações Internacionais do Nautilus e representante da ITF, Danny McGowan, abordou questões relacionadas a alterações propostas à Convenção pelo Comitê Tripartite Especial (STC) da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em abril deste ano, as quais foram ratificadas pela Conferência Internacional do Trabalho no início de junho.

Entre as mudanças, ele destacou a resolução a qual propõe que todos os Estados-membros da OIT reconheçam os marítimos como trabalhadores-chave para a economia, facilitando a repatriação, a troca de tripulação, o acesso a cuidados médicos e a viagens de ida e de volta para o trabalho sem discriminação de nacionalidade.

O direito ao shore leave também se fortaleceu: os países passam a ter a obrigação de permitir o desembarque, salvo razões incontornáveis de saúde pública, segurança ou ordem pública, que necessitam ser comunicadas por escrito. A responsabilidade de garantir essa liberação agora recai simultaneamente sobre o Estado do porto, o Estado de bandeira e o armador.

“A tarefa importante que temos é identificar e definir áreas para a melhoria contínua da MLC antes da próxima reunião, que deverá ocorrer daqui a três anos. Naturalmente, sindicatos como o Sindmar, o Nautilus e muitos outros filiados à ITF podem realizar esse trabalho em conjunto com armadores e governos, de forma positiva, para alcançarmos os melhores resultados possíveis para os marítimos”, declarou.

McGowan salientou que, sem um esforço conjunto dos sindicatos que representam os trabalhadores do mar, a MLC continuará sendo um patamar importante, porém estático, e que cabe a todos os atores do setor garantir que ela continue a evoluir, elevando esse patamar e abrindo caminho para condições de trabalho decentes para os marítimos.

Além do cumprimento de normas por parte dos armadores, outro fator importante para garantir condições seguras é a capacitação continuada dos trabalhadores. Neste contexto, o coordenador da Fundação Gente do Mar (FGMar), Mario Calixto, trouxe números significativos e que muito orgulham o Sindmar.

“Nas duas últimas décadas, capacitamos milhares de profissionais. Cerca de 9% dos 44.025 DPOs em atividade no mundo são brasileiros e a FGMar desempenhou um papel fundamental para ajudar o Brasil a dar os primeiros passos e a contribuir para alcançar este nível tão significativo no setor”, disse, destacando que o País atualmente ocupa o primeiro lugar em número de operadores de posicionamento dinâmico certificados no mundo.

O diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e Vice-Almirante Wilson Pereira Lima Filho, que fez a palestra de abertura do Simpósio e compartilhou informações sobre a estrutura e as ações que a entidade realiza, destacou a importância do Centro de Simulação Aquaviária da FGMar para o setor.

“É um ótimo recurso que nós temos, pois é muito importante em algumas manobras, muitas vezes difíceis, tanto em termos de navios quanto de instalações portuárias, a gente simular antes de efetivamente realizar a operação. Então, a existência de, aqui no Rio de Janeiro, de simuladores desse patamar, é muito interessante”, afirmou.

Para o segundo-presidente do Sindmar, José Válido Azevêdo da Conceição, o material produzido pelos palestrantes e as discussões conduzidas durante o Simpósio servirão de norte para mais debates sobre o tema.

“Nós tivemos um excelente encontro. Reunimos palestrantes, profissionais que trabalham embarcados, sindicalistas e companheiros que fazem parte da força-tarefa da ITF na defesa dos trabalhadores do setor, além de professores que desenvolvem pesquisas na área. Ambos contribuíram com intervenções importantes para a nossa luta por relações laborais dignas”, disse Válido.

No dia 25, o Simpósio contou, ainda, com apresentações do assessor da Abeam, Mario Mendonça (Desenvolvimento da frota para o offshore) e de Sérgio Marinho (A estrutura do Cilep), que na manhã de quinta-feira (26) recepcionou palestrantes e participantes do Simpósio no Centro Integrado de Logística e Transporte da Petrobras em uma visita às instalações do local.